J’ai rêvé (Eu sonhei), Bélgica, 2006vídeo, cor, 40 min.Les maisons du nord (As casas do norte), Bélgica, 2013vídeo, cor, 20 min.Daphne, éloge du lointain (Daphne, elogio do longínquo), Bélgica, 2009vídeo, cor, 30 min.
Guy Bordin (França, 1959) e Renaud De Putter (Bélgica, 1967) têm desenvolvido uma pesquisa fílmica no limiar da antropologia e da etnologia, pensadas a partir do indivíduo e das narrativas na primeira pessoa, em que o trabalho de campo e a investigação de arquivo são reelaborados pela visão ficcional. Assumido uma forte tonalidade ensaística – produzida no cruzamento de diferentes linguagens e meios de expressão – que se manifesta, por exemplo, na problematização dos limites entre observação e construção ou das fronteiras entre realidade e projecção, os cineastas têm vindo a trabalhar temáticas ligadas à identidade, ao género, à alteridade, à memória e às possibilidades de restituir filmicamente os elos que ligam, sempre precariamente, todas estas substâncias instáveis. Questões como a distância, o rasto, o apagamento traduzem-se, muitas vezes, num interesse biográfico por figuras da obscuridade, secundárias, marginais, ignoradas ou desprezadas pela história. Uma cantora canadiana do século XIX esquecida, travestis samoanos, os habitantes de uma pequena comunidade inuit do ártico ou personagens tão singulares quanto ordinárias da classe média europeia, eis algumas dos seres que povoam este universo. Escolhas que se confirmam no filme mais recente, L’Effacée (2017), centrado em Charlotte Dufrène, a companheira-sombra do excêntrico escritor Raymond Roussel, figura tutelar da importante exposição Locus Solus, apresentada em Serralves em 2012. A matriz documental que enforma toda a obra de Guy Bordin e de Renaud De Putter bifurca-se, neste filme, entre a ideia rousseliana dos "instantes decisivos”, nos quais o sentido de todas as coisas momentaneamente se revela, e a impossibilidade de conter a dissolução do que acaba de aparecer. Dito de outro modo, trata-se de reflectir acerca do que aproxima a natureza da imagem cinematográfica dos processos de pensamento.Antecipando o crescente interesse dos dois realizadores pelo Porto (onde já filmaram), e mais ainda pelo Douro de Manoel de Oliveira (onde se prevê que venha, em breve, a ser rodado o filme que têm neste momento em preparação), esta retrospectiva será, por isso, a oportunidade para fazer um ponto de situação e para descobrir uma obra em pleno crescimento, nunca antes apresentada em Portugal.
Programação: António Preto