MARLENE DUMAS - CONTRA O MURO

de 03 JUL 2010 a 10 OUT 2010
Marlene Dumas (1953, Cidade do Cabo) inscreve-se na geração de pintores que emergiram nos anos 1980 sob rótulos como "Wild Painting”. A sua insistência em modos de representação figurativa pode ser considerada um reflexo dessa proximidade geracional. Por outro lado, Marlene Dumas nunca se integrou em qualquer agrupamento de artistas – o que pode em parte atribuir-se ao facto de ter ido para a Holanda depois de terminar os seus estudos de arte na Cidade do Cabo (até 1975). Mas o mais importante é a artista nunca ter aderido à rejeição do conceptualismo característica dos artistas contemporâneos. Pelo contrário, ao longo da sua carreira tanto a sua pintura como o seu desenho revelam uma forte preocupação com questões conceptuais, como posição do autor, interpretação, universo artístico, família, género, sexualidade/erotismo e morte, todas elas objecto de reflexão numa escrita poderosa e independente, umas vezes incorporada nas obras de pintura, outras em publicações autónomas. 
Nem a sua pintura e o seu desenho nem a sua escrita são unívocos e nenhuma destas áreas se destina a "explicar” as outras. Ao contrário, são evocativas, abrindo horizontes para novas e mais profundas interrogações. Conquanto muito do trabalho de Dumas resulte da sua experiência pessoal, as suas figuras e representações são habitualmente filtradas por matéria-prima fotográfica – imagens dos meios de comunicação social e fotografias pessoais que a artista reúne num vasto arquivo. Na sua obra merece destaque especial um grupo de pinturas alegóricas datadas de 1988 que estabelecem uma analogia entre a acção de olhar uma mulher e a atribuição de sentido. Esta reflexão acerca da natureza violenta e sexista da interpretação reaparece mais tarde no título de uma exposição, "Miss Interpreted”. "Procuram Sentido como se se tratasse de uma Coisa. Como se fosse uma Rapariga a quem fosse pedido que despisse as cuecas, como se quisesse fazê-lo assim que o verdadeiro intérprete surge. Como se houvesse algo a despir”. Abster-se de se auto-interpretar é uma constante preocupação de Dumas que se traduz na sua opção por pintar figuras isoladas ou mesmo fragmentos do corpo. 
Em 1991/1992, a obra de Dumas sofreu uma importante alteração desencadeada pelo uso de aguadas sobre papel. O material e as práticas de execução pictórica das imagens tornaram-se ainda mais intencionalmente parte integrante do trabalho. O fluxo parcialmente imprevisível da tinta tornou-se uma analogia material da natureza evocativa das representações. A importância dos Black Drawings [Desenhos negros], uma vasta série de aguadas sobre papel, advém do facto de, pela primeira vez, Dumas ter conseguido retratar pessoas negras, o povo oprimido da sua infância e juventude sul-africanas – cada folha mostra o rosto de uma pessoa - e de ter chegado a uma fusão entre o tema e a própria pintura: representando pessoas negras, as imagens são elas mesmas negras. Deste modo, Dumas criou uma incomparável proximidade com os rostos representados. Ao mesmo tempo, a artista deixa o espectador tirar conclusões das imagens - a parede de pinturas de pequenas dimensões funciona como um arquivo, um instrumento de estudo e reflexão e não como um álbum pictórico. Pouco depois, em 1993, Dumas passou a dedicar-se, de um modo inesperadamente directo, a um outro dos seus temas predilectos: a pulsão visual alimentada pelo desejo e a excitação de observar alguém a representar para o olhar do outro, que anima obras como Porno Blues ou Porno as Collage [Porno em colagem]. Ao longo dos anos 1990, a artista realizou grupos mais ou menos extensos de aguadas que, a partir de meados dessa década, adquirem cor e maiores dimensões, muitas delas obras sedutoras mostrando mulheres em óbvias poses eróticas ou pornográficas.
Se até aí o seu trabalho se desenvolvera a partir das suas iniciais preocupações de natureza pessoal e privada – conquanto conjugadas com um constante interesse pela relação entre o privado e o público –, nesse momento questões sociais e políticas mais latas assumiram importância suprema. Dumas regressou à pintura a óleo, agora afligida pela crise na relação com o outro tipificada pelos ataques de 11 de Setembro de 2001 às Torres Gémeas. Surgem então imagens de pessoas – em geral apenas partes de corpos humanos – vendadas, subjugadas com fita adesiva de canalizador, imagens de raparigas enforcadas, rostos de mortos e, sob o título "Man Kind” [A condição humana], retratos de homens árabes. Muitas das imagens têm origem nas guerras de Gaza e do Iraque. 
Marlene Dumas é há muitos anos considerada como uma das mais notáveis pintoras contemporâneas e o seu trabalho já percorreu o mundo. Em 2009, chegou ao fim a digressão mundial de uma retrospectiva de Dumas exibida em diferentes locais, entre os quais o Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles e o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Recentemente, a artista começou a criar peças em que experimenta modos de pintar novos e surpreendentes. A exposição de Serralves pretende mostrar trabalhos recentes que permitam ao público acompanhar o questionamento de Dumas e o desenvolvimento do seu trabalho – de certo modo, assinala um novo começo depois de ter protagonizado um dos maiores sucessos da história da arte dos últimos tempos.
Comissário: Ulrich LoockProdução: Fundação de Serralves INAUGURAÇÃO: 02 JUL (Sex), 22h00
VISITAS GUIADAS:08 JUL (Qui), 18h30, por Ulrich Loock15 JUL (Qui), 18h30, por João Fernandes20 JUL (Ter), 18h30, por Ricardo Nicolau 10 JUL (Sáb), 17h30, por Ricardo Nicolau(exclusiva para Amigos de Serralves)
MARLENE DUMAS - CONTRA O MURO
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