A exposição apresenta pela primeira vez alguns dos trabalhos de António Areal, Jorge Queiroz e Paula Rego pertencentes à Colecção da Fundação de Serralves. O confronto destes três universos, que em comum apresentam o recurso à figura e à narrativa – ainda que a realidade seja neles subvertida pela possibilidade da ficção –, revela outros tantos imaginários que se poderão rever no espaço da Casa de Serralves, também ele fortemente ficcionado pela utopia do seu passado.
As obras dos três artistas podem ser facilmente associáveis a uma "biblioteca” surrealista, transportando-nos para uma dimensão onírica, transgressora dos limites da representação. No entanto, resistem a essa possibilidade pela sua singularidade irredutível, fugindo a uma sua identificação com um paradigma. Mais do que um trabalho de influência surrealista, são exemplares daqueles casos excêntricos e singulares pelos quais os surrealistas se interessavam.António Areal (Porto, 1934 ? Lisboa, 1978), que a par da produção visual manteve uma produção activa no domínio da teoria e crítica da arte, foi sempre uma referência importante para outros artistas, entre os quais Paula Rego. O recurso a soluções formais oriundas do universo da banda desenhada e da arte gráfica e as referências à história da arte (o surrealismo, o cubismo, a "action painting”) estruturam trabalhos que com humor reflectem sobre a pintura. Na exposição apresentam-se duas séries de desenhos, datadas de 1968 e de 1972. A primeira corresponde a trabalhos que, revelando ainda ecos do surrealismo, traduzem já influências da arte op e da pop, assim como o recurso às referidas composições formais associáveis às artes gráficas. Quatro anos mais tarde, já afastado do contexto artístico devido a problemas de saúde, Areal dedicar-se-á quase exclusivamente ao desenho. Estes trabalhos fazem regressar a figuração, aliada à matriz surrealizante que caracterizara a sua obra nas décadas de 1950 e 1960, reflectindo sobre temas tão universais quanto a condição humana, a eminência da morte – mais do que sobre a ensimesmada história da arte, ou a presente situação política e cultural. Jorge Queiroz (Lisboa, 1966), recorrendo a meios de registo tão variados como a grafite, o lápis de cor, o pastel de óleo, o acrílico ou o guache, produz desenhos que apresentam uma profusão de elementos figurativos e abstractos que se justapõem, fundem ou metamorfoseiam e que, através de processos análogos à livre associação, constituem exuberantes ficções alheias a qualquer narrativa ou guião. O carácter fragmentário dos desenhos de Jorge Queiroz não revela de uma deliberada opção pelo despiste da linearidade representativa. Estas obras obedecem antes a um conjunto informal de pontos de partida – do tamanho das folhas a utilizar ao espírito de que o desenho é imbuído – que fazem deflagrar um fluxo visual imprevisível, repleto de inflexões, saltos ou intervalos, pensado e trabalhado no desenho e enquanto desenho.Cada trabalho de Paula Rego (Lisboa, 1935), uma das mais celebradas artistas portuguesas, propõe um poderoso discurso das imagens, das narrativas e das topologias que fazem da sua obra um caso singular da autoria na arte do nosso tempo. O desenho surge como elemento estruturante desse percurso, traduzindo o seu interesse pela hibridação de diferentes universos, pela justaposição entre arte erudita e popular, quotidiano e excepcionalidade. As fontes desta contadora de histórias enraízam-se nas memórias de criança, mas transcendem o registo biográfico. Expandem-se para os domínios da literatura de Eça de Queiroz, Franz Kafka, Charlotte Brontë, entre outros autores. Influenciam-na as narrativas orais, escutadas no espaço doméstico e público. Cativa-a o burlesco de Rafael Bordalo Pinheiro. Interessam-lhe os contos populares e as suas intermináveis versões. "Contudo, a artista nunca se dedica a uma mera ilustração dos acontecimentos ou das situações suscitados pelo seu ponto de partida. Os livros e as histórias que lhe servem de referência funcionam como um intertexto da ficção que cada trabalho seu constitui”¹.
¹ João Fernandes, "As histórias de Paula Rego, entre a pintura e o desenho”, Paula Rego, cat. exp., Porto: Fundação de Serralves, 2004, p. 12.
Comissariado: João FernandesProdução: Fundação de SerralvesAos Sábados das 17h00 às 18h00 e aos Domingos das 12h00 às 13h00, orientadas pela equipa do Serviço Educativo (em Português).
Informamos que a Casa estará encerrada ao público de 07 a 10 de Junho.Pelo facto apresentamos as nossas desculpas e agradecemos a sua compreensão.