Nada é mais branco do que a memória do branco. Yasujiro Ozu
O papel tradicional da cor ao longo da história da arte tem sido o de acentuar a representação dos temas. A presente exposição, "Viagem ao fim da cor”, revela o papel da cor ao serviço de uma ideia. Tendo a perceção visual de uma cor muitas opções, mesmo sem qualquer imagem figurativa, a cor enquanto tal pode dar origem a um largo espetro de evocações; de forma idêntica, composições de palavras impressas a preto induzem a imagem mental de uma cor específica. É comummente aceite que o azul representa o céu, o preto, a noite, o vermelho, o amor ou a violência. O azul também pode representar o mar, embora saibamos que o mar pode estar cinzento ou verde. E o amarelo pode representar o sol, embora saibamos que o sol pode estar branco ou cor de laranja. Por vezes as cores não estão associadas apenas a uma imagem mental mas também a um artista, por exemplo o azul a Yves Klein, o preto a Ad Reinhardt, o branco a Piero Manzoni, o dourado a James Lee Byars e o amarelo a… Vincent van Gogh?
O objetivo desta exposição é orientar o visitante através de um colorido universo labiríntico e encorajar as suas próprias interpretações. As publicações de artista mostradas em "Viagem ao fim da cor” datam sobretudo das décadas de 1960 e 70, um período em que a arte conceptual e a poesia visual e concreta adquiriam protagonismo na cena artística internacional. Aqui encontramos desde peças todas brancas, todas negras ou monocromáticas a peças polícromas; desde peças arbitrariamente coloridas a outras cujas cores específicas denotam uma noção precisa.
Em Paysage Figure Marine [Paisagem Figura Marinha] (1988) Bernard Villers joga com as formas tradicionais da pintura associadas a três cores. A forma vermelha alta representa a figura, a forma horizontal azul, a marinha e a forma verde intermédia, a paisagem.
Em Furrows [Sulcos] (1974), uma série de sete serigrafias de Lourdes Castro onde se veem sete silhuetas idênticas de diferentes cores sobre fundos diferentes, o elemento dominante não é a silhueta mas o jogo de cores.
Em Colours (1983/94), um livro e um conjunto de gravuras, Heinz Gappmayr confronta cinco folhas de papel de cor com cinco folhas de papel branco em cada uma das quais está impresso o nome de uma daquelas cores. O seu livro Raum [Espaço] (1977) contém apenas páginas brancas para evocar espaço, neste caso muito prosaicamente o espaço entre a capa e a contracapa do livro.
In Passage: Essai sur la couleur [Passagem: Ensaio sobre a cor] (1972), Daniel Buren explora a saturação da cor numa publicação de grandes dimensões composta por sete volumes. Embora obtido pela impressão sobreposta de cores idênticas, o escurecimento progressivo varia de volume para volume.
Ernst Caramelle, Anne Deguelle e Sara MacKillop produzem livros e obras impressas em que as formas e as tonalidades são obtidas por exposição solar.
Os exemplos ilustram que o uso da cor e a inventiva reconfiguração do formato convencional da publicação são tão infinitas como a paleta do pintor. Revelam também que todas as cores têm significados diferentes em função do contexto histórico e cultural. Muitos de nós associamos a cor vermelha na Rússia ao comunismo. Contudo, em russo ‘vermelho’ significa "bonita”. A Pareça Vermelha de Moscovo é, pois, a bonita praça de Moscovo. É evidente que diferentes abordagens à cor podem evocar efeitos díspares e mesmo contraditórios. Quantas palavras temos para designar uma cor? De quantas palavras precisamos para designar todas as combinações possíveis entre as diferentes cores?
Texto de Guy Schraenen, editado por Maria Ramos
Empréstimos: ASPC e Fond Heinz Gappmayr / Research Centre for Artists' Publications, Weserburg, Bremen
Artistas na exposição: Robert Barry, Daniel Buren, James Lee Byars, Lourdes Castro, Carlos Cruz-Diez, Anne Deguelle, Heinz Gappmayr, Michael Gibbs, Paul Graham, Ellsworth Kelly, Yves Klein, Robert Lax, Sherrie Levine, Sara Mackillop, Pierre-Lin Renié, Gerhard Richter, Paul Sharits, Ettore Spalletti, Endre Tót, Morgane Tschiember, Uriburu, Jiri Valoch, Philippe Van Snick, , Bernard Villers, Herman de Vries, Emmett Williams
A exposição é comissariada por Guy Schraenen, consultor da Fundação de Serralves para a Coleção de Livros e Publicações de Artista.