O Antropoceno e a Cultura da Descarga
Pluralizando o Antropoceno II - Outono 2021
Pluralizando o Antropoceno II
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Horário: 15:00 (GMT, Hora de Lisboa)
A sessão será em Inglês
Evento online, de acesso gratuito, com inscrição obrigatória através deste link
Gonçalo SANTOS (Univ. de Coimbra) e Jun ZHANG (City U Hong Kong)
Moderador: Helena Freitas (CFE / Fundação de Serralves)
Não há dúvida que o impacto ambiental da expansão
planetária humana atingiu novos níveis com as transformações associadas à
ascensão do mundo industrial moderno e à “Grande Aceleração” que ocorreu após a
Segunda Guerra Mundial. Nesta palestra, sugerimos que uma das melhores formas
de capturar esta transição catastrófica para uma era de incertezas ambientais
antropogénicas crescentes é olhar para a disseminação mundial de um sistema de
gestão de dejetos humanos baseado em vasos sanitários de descarga e redes
centralizadas de canos de esgoto. Nos últimos duzentos anos, este sistema
hidráulico de gestão de dejetos humanos tornou-se num marco simbólico da
civilização moderna e num requisito básico de saneamento público em ambientes
urbanos, mas é uma solução muito dispendiosa que não está ao alcance de todos e
que tem custos ambientais. Estes custos estão a tornar-se cada vez mais óbvios
na presente era de incertezas ambientais e de escassez crescente de recursos
hídricos de qualidade. Numa altura em que o mundo está a enfrentar uma crise
hídrica de proporções gigantescas, não é de todo claro se se deve continuar a
usar a água como meio para a eliminação de dejetos domésticos (e industriais), especialmente
quando há dados que apontam para as limitações das atuais tecnologias de
tratamento de esgoto. A verdade é que a descarga de dejetos humanos para uma
rede de esgotos não elimina o problema; apenas o agrava, no sentido em que
transporta o problema para outro lugar e o torna num problema de outrém. Nós argumentamos
que esta cultura institucionalizada de descarga e esquecimento não está
circunscrita a questões de saneamento urbano, mas é um valor central que molda
o funcionamento das economias descartáveis contemporâneas e que ajuda a
explicar porque é que é tão difícil mudar o modelo linear de "tirar-fazer-desperdiçar"
da economia mundial e a presunção insustentável que o planeta tem recursos
infinitos. Nesta palestra, propomos uma abordagem que liga o desenvolvimento
desta cultura insustentável de descarga e esquecimento à história do
capitalismo industrial e suas práticas cada vez mais destrutivas e esbanjadoras
de produção e consumo, e fazemos uso de materiais históricos e etnográficos vindos
da China para mostrar que é possível desenvolver modelos alternativos de gestão
de dejetos humanos que ajudem a reduzir a pressão sobre os recursos hídricos
existentes, contribuindo para a criação de uma economia mais circular, onde
tudo - incluindo os dejetos humanos - são reciclados e os recursos são
regenerados.
Relacionado
Jun
ZHANG é uma antropóloga e especialista da China contemporânea de
renome internacional. É professora assistente de antropologia sociocultural no
Departamento de Estudos Asiáticos e Internacionais na City University of Hong
Kong, e membro da Rede de Pesquisa Sci-Tech Asia. O enfoque
central da sua pesquisa está na questão de como os indivíduos encontram, lidam,
e fazem sentido de mudanças institucionais e discursivas mais amplas através
das quais a transformação social é concretizada nas suas vidas quotidianas. É
autora de Driving
Toward Modernity. Cars and the Lives of the Middle Class in Contemporary China (Cornell University Press 2019) e de vários artigos indexados
publicados em revistas científicas influentes como History and Technology,
City and Society, e Modern China, entre outras.