RE-CAMÕES

Luís Vaz de Camões é um símbolo nacional, universalmente tido como um dos maiores expoentes da língua portuguesa. A sua narrativa em verso Os Lusíadas é o ápice da literatura portuguesa, onde se traduziria a própria “essência” da identidade cultural e histórica da nação. Enquanto celebração épica dos grandes feitos e conquistas de Portugal na era dos “descobrimentos”, Os Lusíadas cristaliza uma visão heroica e gloriosa da “pátria”, tão cara aos ideais romântico-nacionalistas do século XIX que mais tarde alimentariam a propaganda do Estado Novo.

Ao longo dos tempos, a obra do poeta-soldado, bem como a sua própria vida e iconografia, foram usadas para enaltecer a ideia de uma nação unida e destinada à grandeza: de representações eloquentes de valores morais e espirituais como a coragem, a fidelidade à pátria e, naturalmente, a devoção ao destino imperial e legitimamente colonialista de Portugal. Apesar de “horrivelmente caro” – a expressão é de Salazar – o cinema contribuiu igualmente para a instigação patriótica, sendo um filme como Camões (1946), realizado por José Leitão de Barros com o patrocínio de António Lopes Ribeiro, o ideólogo cinematográfico do regime, um dos seus exemplos mais eloquentes. Depois da Revolução de 1974, as revisitações de Camões serão mais críticas e plurais, reinvestindo o símbolo pátrio como expressão de liberdade e “universalismo”. No caso do cinema, ninguém levaria mais longe a desconstrução simbólica de Camões do que Manoel de Oliveira, seja em NON ou a Vã Glória de Mandar (1990), que o próprio descreve como sendo “Os Lusíadas ao contrário”, ou no seu filme derradeiro, O Velho do Restelo (2014), onde pela voz desta controversa figura lança ao presente questões que dificilmente terão resposta imediata.

Este ciclo de cinema e de conversas, com convidados de diferentes áreas disciplinares, propõe um percurso crítico através de algumas das mais emblemáticas e significativas invocações cinematográficas de Camões e de Os Lusíadas.