CARTA BRANCA A LUIS MIGUEL CINTRA
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Fotograma de A Caixa (1994), Manoel de Oliveira.
Passei a vida convencido de que ser ator de teatro ou de cinema era a mesma coisa. O nosso ofício nos dois casos era o mesmo: representar para conhecer e dar a conhecer a vida dos seres vivos, incluindo os animais (sim, também gosto dos filmes da Lassie, por exemplo), só que os bichos não representam, são. Não sabem conhecer-se, não podem julgar o que é falso, exagerado ou justo, e nós, atores de teatro ou de cinema não fazemos outra coisa senão conhecer os outros em todos os momentos da vida de todos. Fazemos disso o nosso trabalho. É aí que vamos buscar os dados para construirmos a nossa representação da vida dos seres vivos. O ofício é o mesmo no teatro e no cinema. Somos os mesmos, é a mesma matéria. A arte é a mesma, é a arte de conhecer ou de amar os outros.
Só que no teatro generosamente convidamos os outros a serem cúmplices da representação que lhes vamos oferecer, um ator de teatro nunca está sozinho e não precisa de cautelas, lança-se nos braços do público e pensam ao mesmo tempo. No cinema a forma de interferir na vida dos outros é diferente. Não está síncrona com quem está ao nosso lado, os atores que vemos no filme já lá não estão, mas todos foram estimulados pelo mesmo assunto que entrou em diálogo com a experiência de cada um.
Às vezes tudo isto deixa marcas e pode-se voltar a pensar no que construímos para sempre. O filme toca no fundo e fica a marca. Agora que me lembrei disso dou-me ao luxo de aqui deixar, para quem quiser, o título de alguns filmes que vi, já há muitos anos, mas que formaram o meu pensar ou me puseram a chorar, se preferirem. Deixaram uma marca cá dentro que nunca mais sai. Uma nódoa, como se dizia do sumo de certas frutas, que ficava para sempre.
Os filmes de Rossellini, por exemplo, deixaram marcas em mim, ficaram para sempre marcados no meu corpo, como faz a marca da ganadaria aos animais que vão morrer na praça de touros. A participação na obra é muito solitária, não é simultânea, e é íntima com a perceção do espectador que permanece passivo. O que o ator de cinema pôs no filme é um segredo que atua sem se dar por isso. Mas pode tocar no fundo e desconcertar a nossa vidinha. É uma abstração. Mas deixa lastro quando, já sem ator, o espectador reconstrói o que o filme lhe deu a ver. Entramos numa relação profunda com os outros, tal como na vida: o cinema como Manoel de Oliveira o entendia.
O que Rossellini, Pasolini e Renoir fizeram é um motor para as consciências. Estes filmes são algumas das pedras que na minha solidão de espectador e ator de cinema continuam a fazer-me chorar de alegria e espanto perante a obra de Deus, e me ajudaram a viver.
Luis Miguel Cintra
Paralelamente à exposição, a Casa do Cinema desafiou Luis Miguel Cintra a selecionar um conjunto de filmes que tenham sido marcantes no seu percurso como ator e encenador, numa programação que revela afinidades eletivas, mas também pontes entre o teatro e o cinema, nesta que é, igualmente, uma das melhores ocasiões para conhecer o Luis Miguel Cintra cinéfilo.
